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Audiolivro Hans em Constantinopla - Capítulos#2 a #5
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Audiolivro Hans em Constantinopla - Capítulos#2 a #5

Novela teatral e surreal sobre a história das religiões

Hans em Constantinopla

Novela teatral e surreal sobre a história das religiões, centrada em Istambul

Dedicatória

Dedicado ao Meu Irmão, Paulo Jorge Mendes, que ficou sempre acordado.

Prelúdio

Audiolivro teatral cómico improvisado em 2020, quando estava tudo encerrado por causa do golpe de estado de março de 2020. Todas as cenas foram improvisados para o gravador áudio, sem correções, como no teatro de comédia de improviso.

Misturam-se várias épocas passadas diferentes com o presente e com memórias das minhas viagens à Turquia, Terra Santa, Grécia e ex-Jugoslávia.

Novela teatral e surreal sobre a história das religiões, centrada em Istambul (antiga Constantinopla, ou Nova Roma, ou Christanbul, ou Bizâncio), cidade mágica muito apreciada por mim e recorrendo apenas à memória fotográfica e a um gravador de áudio, sem computador nem telemóvel.

Corresponde à visão que eu tinha da história até 2020, a história "oficial". Em 2020 a história "oficial" revelou-se como a "ficção oficial".

Bibliografia

  • Byzantium (I): The Early Centuries, John Julius Norwich

  • Byzantium (II): The Apogee, John Julius Norwich

  • Byzantium (III): The Decline And Fall, John Julius Norwich

  • Café Turco com os ex-Jugoslavos, Paulo Mendes da Silva e Pedro Mendes da Silva, 2015

  • Teatro

    • Poética de Aristóteles, Tradução de Eudoro de Sousa, INCM – Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2016

    • Manual Mínimo do Ator, Dario Fo, 2004

Nota sobre a publicação no Substack

Vão ser publicados os 28 capítulos no Podcast em Áudio, que é a versão original, ao longo das próximas semanas. Recorde-se que foram todas improvisados para o gravador áudio, sem correções, como no teatro de improviso.

Mais tarde será publicado um livro com o texto completo em formato de papel e digital. Serão ainda publicadas as versões em Audiolivro M4B, CD e DVD.

Passa, então, a haver um subsecção dentro do Podcast chamada "Audiolivro Hans em Constantinopla".

Cada episódio vai incluir para além do audio original o texto transcrito a partir desse áudio.

Texto do Capítulos 2 a 5

Capítulo 2 - Monge Ortodoxo Palestino Iconoclasta

Palácio Topkapı

-- Já agora, Sr. Patriarca, por acaso não sabe dizer-me em que direção é o Harém do Sultão?

-- Com certeza, é só seguir aqui por esta marginal e é no fim. O Sr. encontra lá um palácio e é lá o Harém, no Palácio Topkapı.

-- Sim, senhor, muito agradecido e espero voltar a vê-lo na próxima mesquita. Já agora, o que é que o senhor estava a fazer na mesquita?

-- Ah, pois é que pronto, estava aqui um bocadinho sozinho, aqui no patriarcado, pronto, ali pareceu-me mais animado, ir ali para a mesquita. Olhe, disfarcei-me e pronto, fui lá, pronto.

-- Fez bem, fez bem. Então, Adeus e até qualquer dia.

Hans meteu-se a caminho. Desta vez, com a água do corno dourado à sua esquerda, prosseguiu em direção ao local indicado pelo simpático patriarca. Com passos lentos, prosseguiu, apreciando a paisagem. A determinada altura, chegou perto da ponte de Gálata, uma ponte azul, de um azul sujo. Cheirou-lhe novamente à característica sanduíche de dourada frita. Não resistiu e comprou 10. Quando estava a acabar de comer a sétima, foi abordado por o que lhe pareceu ser um monge ortodoxo:

-- A sua camisola tem um desenho - disse o monge, emitindo uma voz grave e zangada para fora da sua espessa barba grisalha.

-- Tem um desenho? Pois, é verdade, tem aqui um porco, mas qual é o problema?

-- O senhor sabe que os ícones são proibidos.

-- Os ícones? Importa-se repetir?

-- O senhor não sabe que o Imperador piamente proibiu qualquer tipo de ícones ou esculturas?

-- Não sabia.

-- Pois é verdade. A escultura e o ícone, representações de cenas divinas, são pecaminosas, portanto, não se deve representar o divino, mas sim senti-lo. Daí que o nosso Pio Imperador tenha aceite o nosso pedido e proibido qualquer tipo de imagem ou escultura em todas as igrejas do Império Romano do Oriente.

-- Mas quem são vocês?

-- Nós? Nós somos os iconoclastas. Viemos ao mundo para acabar com os ícones. A nossa sede fica na Palestina, num mosteiro no deserto, numa falésia. Eu fui enviado pelo nosso monge-chefe. Venho aqui defender a nossa causa e continuar a defendê-la mesmo no presente e no futuro. E infelizmente, vejo que o Senhor tem um desenho e concluo que esse desenho é uma violação da lei divina.

-- Pois, compreendo - comentou Hans - E agora?

-- Agora o senhor vai ter que, ou tingir a camisa toda da mesma cor, ou então eu vou ter que o excomungar.

Hans hesitou por um minuto e disse-lhe:

-- Vou ali àquela mesquita tingir a camisola.

E o monge, ao ouvir isto, a expressão mudou completamente, desanuviou-se e um largo sorriso substituiu a expressão grave.

-- Faz bem, meu filho, faz bem. Vá em paz e que o Senhor esteja consigo.

-- Amén! - diss Hans enquanto se afastou do monge e da mesquita na direção do harém.

Alguns quilómetros depois, Hans chegou à porta do harém.

Fim do capítulo 2.

Capítulo 3 - O Eunuco e o Imperador Juliano, o Apóstata

Chegado à porta sublime, Hans lembrou-se que ainda tinha três sanduíches de dourada grelhada no bolso, e aproveitou para as comer. Depois, bateu à porta do palácio. Uma batida, duas batidas, três batidas, nada. À quarta batida, a porta abriu-se: era o Eunuco Negro, responsável pelo Harém.

-- Boa tarde - disse Hans. - O Harém está aberto?

-- Está sim, só que neste momento está ocupado pelo Imperador Juliano, o Apóstata.

-- Que desagradável. Mas ele, será que ele não quer partilhar? Não aceita partilhar o Harém?

-- É possível que sim, é possível que sim. Eu posso-lhe perguntar. Espere um pouco.

A porta fechou-se com um ligeiro estrondo e Hans aguardou. Aguardou um minuto, aguardou dois minutos, três minutos, quatro minutos, sete minutos, doze minutos, treze e meio e a porta abriu-se.

-- Olhe, enviei um mensageiro ao Imperador Juliano e ele diz que sim senhor, que está disposto a partilhar se o senhor tiver sanduíche de dourada para partilhar com ele.

-- Ai, caraças, acabo de comer as minhas últimas três sanduíches de dourada. Vou então aqui comprar mais.

Hans atravessou o largo, encontrou outro vendedor de sandes de dourada e comprou mais 10. Novamente, dirigiu-se à Porta Sublime e bateu à porta do Eunuco. Bateu uma, bateu duas, bateu três. E desta vez o Eunuco abriu.

-- Vejo que já tem aí 10 sanduíches. Penso que o Imperador Juliano ficará contente. Só há aqui um pequenino problema: é que houve aqui uma revolta de janízaros e o palácio está completamente atulhado de janízaros. E o senhor vai ter que os convencer a deixá-lo passar até ao Harém.

-- Ai,sim ? mas o que é um janízaro?

-- Um janízaro? O senhor não sabe o que é um janízaro?

-- Desculpe, mas não sei.

-- Olhe, um janízaro é um membro da guarda dos janízaros, que é a guarda pessoal do sultão, que tem a particularidade dos membros serem recrutados à força, uma espécie de imposto, entre as crianças cristãs da Rumélia.

-- Rumélia? E o que é a Rumélia?

-- Rumélia é um termo que os sultãos otomanos utilizam para designar os antigos territórios do Império Bizantino nos Balcãs, na Grécia. Por aí, mas normalmente é, quer dizer, nos Balcãs. Normalmente os janízaros são recrutados entre famílias sérvias ou bósnias.

-- Sim senhor, mas eles estão revoltados contra quê?

-- Ah, é que o sultão desvalorizou a moeda e eles, pronto, vieram aqui matar o sultão.

-- Ah sim, mas o sultão está aí?

-- Não, não, o sultão não está no palácio.

-- Mas pronto, aconselho a ter... talvez a oferecer algumas sanduíches. Pode ser que eles o deixem passar. E já agora, tenho aqui uma coisa que talvez lhe interesse. São dois pelos da barba de Maomé e um cajado de Abraão. Será que o senhor não quer trocar isto por, digamos, vinte sanduíches de dourada grelhada?

-- Olhe, é uma oferta tentadora, mas o que é que eu vou fazer com dois pelos da barba de Maomé?

-- Bem, com os dois pelos da barba não sei, mas com o cajado o senhor pode fazer belas caminhadas.

-- É bem visto, é bem visto. Então, espere aí que eu depois, à saída, penso melhor.

-- Sim, senhor, espero aqui por si.

Hans tentou despistar o Eunuco e deparou com uma multidão de algumas centenas de janízaros facilmente identificáveis, porque tinham todos uniformes parecidos de tecido de Salónica. E ao verem Hans, perguntarem-lhe:

-- És tu o sultão?

-- O sultão? Eu? Não, eu chamo-me Hans, não me chamo Sultão.

-- Como é que podemos ter a certeza disso?

-- Então vocês acham que eu tenho um ar turco? Tenho olhos azuis!

-- Pois realmente é verdade. O que é que estás aqui a fazer? Não sabes que há uma revolta dos janízaros? Porque é que entraste no Palácio?

-- Bem, eu vinha para o Harém. O Imperador Juliano, o Apóstata, disse que eu podia partilhar o Harém com ele durante alguns momentos, desde que partilhasse com ele algumas sanduíches de dourada grelhada.

-- Eh pá, isso é a minha sanduíche favorita, respondeu o janízaro, se partilhares comigo, pode ser que eu te deixe passar. Só tens que arranjar, depois, convencer também aqui os meus outros 500 colegas, quem sabe, com 500 sanduíches...

-- Eh pá, 500 sanduíches - disse Hans - Mas eu não trouxe assim tantas, então... Espere um pouco, então.

Hans, dirigindo-se ao Eunuco, avisou que ia comprar mais sanduíches. Atravessou novamente a porta sublime e dirigiu-se à praça, onde pediu 520 sanduíches, se não fosse aparecer mais algum janízaro ou imperador pelo caminho. Demorou algum tempo, o vendedor, cerca de 3 horas e meia a fazer as 500 sanduíches e depois a embrulhá-las. Passado esse tempo, Hans comeu 3 dos sanduíches porque já estava com fome outra vez e bateu à porta do Eunuco.

O Eunuco, ao ver Hans com tantas sanduíches, fez-se difícil e só abriu à décima pancada, tendo exigido 10 sanduíches em troca do cajado de Abraão. Hans que já vinha preparado, não teve problemas em oferecer as 10 sanduíches ao Eunuco. Em seguida, Hans enfrentou os 500 janízaros, mas como já vinha preparado, conseguiu acalmar a sua ira, oferecendo a cada um deles uma sanduíche dourada grelhada, bem quentinha, acabadinha de fazer há três horas. Uma ala foi-se abrindo por entre a multidão de janízaros e Hans pôde então atravessar o pátio e chegar à porta do Harém. Com alguma surpresa, verificou que estava lá novamente o Eunuco.

-- Quer entrar? - disse o Eunuco.

-- Pois quero - disse Hans.

-- Pois bem, entre! Está aqui o Imperador Juliano, o Apóstata, à sua espera.

Juliano, que estava cercado por cerca de 13 odaliscas, fitou Hans com um olhar pagão. Hans, percebendo que o Imperador Juliano era pagão, estendeu-lhe a mão.

- Muito prazer. O meu nome é Hans. Penso que o senhor é o Imperador Juliano, o Apóstata, não é?

-- Sou eu mesmo.

-- Sou um grande apreciador do seu reinado, mas o que é que veio aqui fazer a este Harém?

-- Pois, sabe, este Harém, pelo menos, não é cristão! Eu como rejeito tudo o que é cristão, achei que aqui era um auxílio para manifestar a minha não-cristianidade. Mas também às vezes trazem sanduíches de dourada, como você. E isso também gosto.

-- Muito bem. Então... Posso-me sentar?

-- Não. Agora vai ter que se ir embora. Só o deixei entrar para você me dar as sanduíches. Agora deixe-me aqui com as 13 odaliscas e ofereço-lhe uma das sanduíches. Adeus!

-- Mas e as odaliscas?

-- Adeus!

É então que o Eunuco pega no braço de Hans e o faz seguir em direção à porta.

-- Então adeus e boa sorte aí com o cajado!

Hans, com o cajado na mão, decidiu que era a altura de se afastar do Harém e do Apóstata. Então, percorreu o corredor ainda aberto pelo meio dos janízaros, agora com o cajado de Abraão. Ao verem o cajado, os janízaros ajoelharam-se e e proclamaram Hans sultão.

Fim do capítulo 3

Capítulo 4 - 500 Janízaros e Enrico Dondolo, Doge de Veneza

-- Hans I Osmanli ! Hans I Osmanli ! Hans I Osmanli !- gritavam os janízaros em êxtase.

Hans corando um pouco começou a pensar em franguinho da guia sem tomilho. Em seguida, olhando imperialmente para a sua guarda de janízaros, exclamou:

-- Traga-me um franguinho da guia sem sandes de dourada.

Os janízaros continuaram a exultar, mas não se mexeram, exceto um deles. Era o chefe dos janízaros: dirigiu-se a Hans e disse-lhe ao ouvido:

-- Só vamos começar a seguir as tuas ordens quando nos pagares o imposto da coroação, que é devido aos janízaros sempre que o sultão é coroado.

-- Ai sim, e em que consiste esse imposto?

-- Bem, digamos que mil liras por cabeça talvez seja bom.

-- Então, e se eu não tiver esse dinheiro?

-- Cortamos-te a cabeça.

-- Percebo. Então, vou ali levantar ao Tesouro ... o dinheiro. Tenho que ir-lhe à sala do Tesouro, levantá-lo e já vos venho trazer. Esperem aqui por mim.

Hans afastou-se de mansinho e fingindo que se dirigia à sala do tesouro correu para a porta da saída onde estava o Eunuco que lhe abriu a porta. Já fora do palácio, Hans suspirou de alívio e percorreu os metros que separavam a porta sublime da porta da Hagia Sofia. Enquanto olhava para a porta de entrada da Hagia Sofia, alguém bateu-lhe nos ombros. Hans voltou-se e reconheceu Enrico Dondolo, Doge de Veneza.

-- O que faz aqui? - Perguntou Hans.

-- Olhe, vim ver se estavam a cuidar bem do meu túmulo aqui na Hagia Sofia. E vi que você não era turco e resolvi falar consigo. Você é cristão, não é?

-- Tem dias. Quer entrar na Hagia Sofia?

-- Já agora!

-- Entremos.

-- Ah, que saudades do Império Latino de Constantinopla! - suspirou Enrico Dondolo.

Fim do capítulo 4.

Capítulo 5 - Enrico Dondolo, Doge de Veneza

-- Que saudades da Quarta Cruzada - suspirou Dondolo - Bons tempos!

Hagia Sofia

-- Porquê? - perguntou Hans.

-- Foi tão bonita a Quarta Cruzada. Enganámos toda a gente.

Enganámos os cruzados, o Papa e os bizantinos!

-- Ah, sim? Como é que vocês... Como é que foi isso?

-- Sabe que a 4ª Cruzada não tinha venezianos ao início. Era composta, essencialmente, por francos e alemães. E estava direcionada a Jerusalém, tal como, normalmente, as cruzadas

foram direcionadas para a reconquista da Terra Santa. Mas acontece que estes cruzados alemães e francos ficaram sem dinheiro e então tiveram que vir pedir empréstimos à República de Veneza, da qual eu era o Doge, ou Presidente da República, como lhes queira chamar.

-- Continue, continue.

-- E então, pressionando aqui os cruzados que nos deviam dinheiro, convencemos-los que atacar Constantinopla seria uma boa forma deles selarem as suas dívidas, não é? E então, eu próprio apesar de cego e de ter 90 anos, comandei o exército veneziano e cruzado e atacámos Constantinopla.

-- Não me diga.

-- Foi isso. E passados uns dias, as muralhas que tinham aguentado durante quase mil anos cederam à traição de cristãos contra cristãos, de venezianos, francos e alemães contra os romanos do Oriente.

-- Mas isso deve ter sido uma carnificina!

-- Não só! Sim, mas não só! Para além da carnificina também aproveitámos para dissipar toda a arte e riquezas que tinham sido acumuladas durante esses mil anos. Já viu, ficámos muito ricos.

-- Pois, pois, estou a ver. E você orgulha-se disso?

-- Ah, muito, muito. Muito mesmo! Está a ver ali no andar de cima aquela pintura de mosaicos do Christus Pantocrator?

-- Perfeitamente. Aquela azul, não é? Com roupa azul?

-- Sim, sim, essa mesmo. É aí que está o meu túmulo.

-- Quer dizer que você roubou aqui o Império Bizantino e ainda ficou com o túmulo na Santa Sofia !

-- É verdade, já viu ?

-- Pois... Olhe, tome aqui esta sanduíche dourada que eu tenho que ir ali fora.

Hans saiu, Farto da conversa de Dondolo e respirou.

Respirou. Respirou. Respirou. Atravessou o pátio da Hagia Sofia. E respirou.

Fim do capítulo 5.

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À caça de Cisnes Negros na companhia de Duarte Pacheco Pereira, o Aquiles português que manejava tão bem a pena, como a espada. A obra de Duarte Pacheco Pereira é um cisne negro no sentido sugerido por Karl Popper, um contra-exemplo contra a ideia comum de que a "escola" ensina a "verdade" (representando no sentido de Karl Popper "todos os cisnes são brancos"). "Não importa quantos cisnes brancos você veja ao longo de sua vida. Isso nunca lhe dará certeza de que cisnes negros não existem." -- Karl Popper.